6 de abril de 2011

Parabéns, Inter! 102 Anos!

Porto Alegre, 02 de abril de 1909


Querido papai do céu!

Sou tão pequenino, eu sei, apenas um menino negro de mirrados trinta e poucos quilos, dez anos, roupas sujas, filho de um velho escravo negro, de respiração cansada, mãos calejadas, coração doído.
Sei o tamanho do que lhe peço, e a dificuldade que terás em contemplar meu sonho. Ainda assim, tudo o que pedi, me foi negado pelos brancos, pelos senhores e pelo tempo. Então, o Senhor, Papai do céu, é meu último alento para dar esperança aos dias deste povo tão injustiçado.
Eu não quero um brinquedo, uma roupa, tampouco fartura. Quero a felicidade do meu pai e dos seus pares. Quero a oportunidade de ver a ventura estampada nos olhos dos menores, dos rejeitados, mas... como, isso, Papai do céu?
Como bem lhe disse, sou tão pequenino, entendo tão pouco de alegria, mas, esses dias, vi uns rapazes de azul, acho que eram alemães, aqui de perto, tangendo uma bola linda, de couro marrom. Eles me olhavam com desprezo pela minha cor, mas seus olhares reluziam a felicidade enquanto praticavam aquele esporte. Seria demais pedir-lhe uma bola, umas camisas encarnadas, cor do sangue do meu pai e de seus ancestrais? Ou melhor, um time... Uma forma de nos fazer sorrir, de fazermo-nos ser iguais aos outros, sem distinção de cor, de raça, de condição social...
Não quero facilidade, assim como nunca tivemos. Se o Senhor puder nos dar uma área pra construir nosso estádio, pode ser até dentro das águas. Nossa força coletiva e o amor que teremos por essas cores, se encarregam do resto. Não precisa nos dar um estádio pronto. Nós unimos as carroças, os tijolos, argamassas, e, enfim, erguemos nosso gigante.
Ainda que eu queira um clube para exaltar os rejeitados, não quero apenas os negros brilhando no gramado. Nosso ídolos podem ser loiros de olhos azuis, com a camisa 5 nas costas. Podem ser Índios, cortadores de cana; Escurinhos, Gabirus; podem ter os cabelos esvoaçados, uma braçadeira de capitão, ou um estrangeiro Cabezón; o que importa, papai do céu, não é de onde vieram, ou mesmo a cor da pele por baixo do nosso manto, mas o vermelho cintilante que emociona e torna pranto.
Eu nem sei se o Senhor me dará uma alegria dessas, mas minhas lágrimas já correm pelo meu rosto suado. É como se soubesse o quanto de alegria darás a um povo guerreiro, encarnado, colorado.
E, tudo surgiu da imensa vontade de ver meu papai, tão combalido, sofrido, humilhado, sorrir, de novo. Afinal, papai é que é o tal.

E assim surgiu, há 102 anos, da vontade dos pequenos, que humilhados foram exaltados, o clube do povo do Rio Grande do Sul. Um dos - se não o maior - clube da América. Surgido para os fracos, para se tornar um gigante forte e imponente.
Parabéns colorados, que, como eu, têm orgulho em ser macacos.
Nada vai nos separar.
Agradeço ao Fernando Rocha, autor desse lindo texto!